Assim como Bolsonaro foi para a Presidência pelo voto popular, Aras vai para a cadeira porque a Constituição dá ao presidente esse poder
Novo indicado de Jair Bolsonaro para chefiar a PGR, Augusto |
Quando Ulysses Guimarães trabalhou para transformar o Ministério Público numa entidade independente, sonhava com uma instituição. Passados 30 anos, surgiu uma corporação. Quase um soviete, ela reclama porque o presidente Jair Bolsonaro nomeou para a procuradoria-geral o procurador Augusto Aras, que não entrou na lista tríplice da guilda da categoria. Assim como Bolsonaro foi para a Presidência pelo voto popular, Aras vai para a cadeira porque a Constituição dá ao presidente esse poder. A Associação Nacional dos Procuradores disse que Bolsonaro interrompeu “um costume constitucional”. Isso não existe; o que há é o texto da Constituição, e o presidente cumpriu-o.
O que Aras fará no cargo, só ele e o tempo dirão. Logo logo, irá para a sua mesa uma representação de deputados petistas contra o corregedor do Ministério Público pela maneira como lidou com as palestras de Deltan Dallagnol. A ver o que fará. A cadeira para a qual vai Aras já foi ocupada por um engavetador-geral e por um exibidor-geral. Um dia antes da escolha de Bolsonaro, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, viu-se diante de uma rebeldia legítima (e legal) dos seis colegas da equipe da Lava-Jato de Brasília, que devolveram seu cargos, insatisfeitos com a conduta da chefe. Horas depois o sexteto ganhou a solidariedade da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba.
Nos seus grupos de bate-papos, os procuradores diziam o que queriam e planejavam o que não deviam. Expostos pelo The Intercept Brasil, blindaram-se, numa estratégia de absurda negativa, como se nenhuma mensagem fosse verdadeira. Não querem explicar o que escreveram.
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aprova aumentos salariais capazes de fazer inveja aos mais ativos sindicatos de trabalhadores. Refletem o corporativismo generalizado na busca de benefícios. O próprio doutor Aras usufruiu o direito legal de servir ao Estado como procurador e a si mesmo como advogado. Algo como jogar com a camisa do Barcelona no campeonato espanhol e com a do PSG no francês.
Durante o consulado tucano, os petistas inebriavam-se com um procurador que infernizava a vida do ex-secretário-geral da Presidência, Eduardo Jorge Caldas Pereira. Ele bateu à porta do CNMP mostrando que estava sendo perseguido. Só em 2007 o procurador foi punido e só em 2009 o Conselho incluiu a palavra “perseguição” no seu acórdão.
Passaram-se dez anos ao longo dos quais o ministro do STF Gilmar Mendes foi uma voz no deserto, reclamando da prepotência do Ministério Público. Hoje, graças ao Intercept, sabe-se o que eles armavam na Lava-Jato. Conhece-se também a expressa preferência dos doutores (e doutoras) pelo aspecto antipetista da candidatura de Jair Bolsonaro.
A sacrossanta instituição fortalecida por Ulysses Guimarães precisa se defender de dois males dela mesma: o corporativismo e a prepotência. O Ministério Público é independente mas não é um soviete, capaz de armar cavilosamente investigações contra ministros do Supremo, fazendo de conta que não via os colegas que protegiam Sérgio Cabral ou a máquina de propinas tucanas de São Paulo. Deve entender que pode investigar qualquer um, inclusive ele mesmo, e que não lhe cabe contestar um ato legítimo do presidente da República.
Blindou-se tão bem que, ao gritar contra a escolha de Aras, menos gente os ouve.