Morre Michel Hagge, o líder político que mudou a história de Itapetinga, aos 97 anos

Ex-prefeito por três mandatos e deputado estadual, Michel Hagge construiu um legado político e deixa um clã que continua no comando de Itapetinga.

Morre o patriarca do clã Hagge, ex-prefeito de Itapetinga Michel Hagge.  

Itapetinga amanheceu de luto nesta quarta-feira, 1º de outubro de 2025. Aos 97 anos, faleceu Michel José Hagge Filho, um dos maiores líderes políticos da história do município, ex-prefeito por três mandatos, deputado estadual e figura que marcou a trajetória democrática da Bahia e de Itapetinga.

Nascido em Salvador, em 5 de dezembro de 1927, filho de Michel José Hagge e de Dona Alice Ganem Hagge, Michel chegou a Itapetinga em 1954 para administrar fazendas. Ali fincou raízes, casou-se com Iracema Almeida Hagge, com quem teve três filhos, Eduardo, Virgínia e Paulo Hagge e construiu não apenas uma família, mas um legado político que atravessa gerações.

Da roça ao poder

Michel Hagge foi administrador rural, maçom, presidente da Coopardo e, a partir de 1968, iniciou sua vida pública como suplente de vereador. Mas foi em 1982 que seu nome entrou para a história: eleito o primeiro prefeito da oposição em Itapetinga, em um tempo em que todas as gestões municipais estavam alinhadas ao governo do todo-poderoso líder baiano Antônio Carlos Magalhães (ACM).

A vitória do emedebista em Itapetinga foi construída a partir de uma tragédia que marcou a Bahia e o Brasil. Michel Hagge não era o favorito à sucessão municipal de 82. A chapa imbatível da época era a carlista, formada pelo pecuarista Felício Brito (PDS, hoje União Brasil) e pelo empresário Fernando Barcelos como candidato a vice-prefeito. Barcelos reforçava a chapa com uma poderosa máquina de comunicação: era dono da badalada Rádio Jornal de Itapetinga, emissora de grande alcance, que cobria toda a Bahia e parte de Minas Gerais e Goiás.

Mas uma tragédia na serra de Caatiba, com a queda de um helicóptero, mudou tudo. Fernando Barcelos estava na comitiva do então candidato carlista a governador da Bahia, Clériston Andrade (PDS), que perdeu a vida no acidente aéreo. Com a morte do empresário, a candidatura de Felício Brito perdeu fôlego, abrindo espaço para a ascensão de Michel Hagge. Ele conseguiu unir simpatizantes de parte da direita carlista e da esquerda, que ainda lutava pela concretização da democracia no Brasil. Essa aliança foi fundamental para Michel derrotar duas chapas competitivas: a de Felício Brito e a de Isai Amorim (MDB 2), além da de Américo Nogueira, considerada pouco expressiva à época.

Com chapéu de couro na cabeça nos comícios, Michel fala em um vaqueiro na Prefeitura de coronéis.
Com chapéu de couro na cabeça nos comícios, Michel fala em um vaqueiro na Prefeitura de coronéis. 
 

Michel alcançou sua primeira vitória e, com seu jeito populista, agregou apoiadores e simpatizantes durante seis anos de gestão, período ampliado em razão do mandato-tampão que redefiniu a duração dos mandatos legislativos e executivos no Brasil.

Obras estruturantes em bairros periféricos marcaram a administração Michel Hagge no 1º ano de governo.
Obras estruturantes em bairros periféricos marcaram a administração Michel Hagge no 1º ano de governo.

Ao assumir a prefeitura em 1983, sem apoio do governo da Bahia, Michel mostrou sua marca: obras estruturantes, pavimentação de bairros inteiros, escolas, praças, programas sociais e a transformação de Itapetinga em uma das cidades com maior nível de urbanização e saneamento entre os municípios de médio porte da Bahia. Ao deixar marcas em sua administração atraiu seguidores que mais tarde seriam chamados de fiéis "Gabirabas".

O grupo de fiéis seguidores de Michel Hagge, os Gabirabas se consolidou na campanha de 199
O grupo de fiéis seguidores de Michel Hagge, os Gabirabas se consolidou na campanha de 1996.

Três vezes prefeito, três vezes deputado

Foram três gestões (1983–1989, 1993–1997 e 2005–2008), além dos mandatos de deputado estadual. Nas idas e vindas da política, perdeu eleições, mas sempre se reergueu. Em 2000, foi derrotado pelo médico José Otávio Curvelo (PL) por apenas 627 votos. Em outras ocasiões, viu seus aliados não conseguirem vencer, mas seu prestígio manteve-se intacto.

Fidelidade dos gabirabas a Michel Hagge ultrapassaram gerações.
Fidelidade dos gabirabas a Michel Hagge ultrapassaram gerações. 

Entretanto, Michel sofreria sua pior derrota em 2008, quando, disputando a reeleição, foi derrotado pelo petista José Carlos Moura, com uma diferença histórica de mais de 6 mil votos. O resultado abalou o veterano político que, mesmo tendo construído uma base fiel de seguidores, os chamados gabirabas, não conseguiu conter o desejo de mudança do eleitorado.

União com o ex-prefeito José Otávio Curvelo pavimentou o caminho dos Hagge a Prefeitura de Itapetinga.
União com o ex-prefeito José Otávio Curvelo pavimentou o caminho dos Hagge a Prefeitura de Itapetinga. 

A partir dessa derrota, Michel passou a pavimentar o retorno de seu grupo ao poder. Uniu forças com seu antigo adversário político, o ex-prefeito José Otávio Curvelo, e juntos formaram um grupo imbatível. Dessa aliança nasceu a candidatura de seu neto, Rodrigo Hagge (MDB), que governou Itapetinga por dois mandatos consecutivos, de 2017 a 2024. Hoje, o ciclo familiar se completa com seu filho, Eduardo Hagge (MDB), atual prefeito do município. Uma sucessão rara na política baiana, que reforça o peso histórico do clã.

Altos e baixos de uma vida inteira na política

Michel Hagge experimentou vitórias consagradoras e derrotas amargas. Viveu a redemocratização, a mudança de partidos, a disputa entre situação e oposição e o jogo político duro do interior baiano. Mas também enfrentou dores pessoais que marcaram sua vida.

Ainda em seu primeiro mandato como prefeito de Itapetinga, sofreu o mais duro golpe: a perda do filho caçula, Paulo Hagge, em um acidente de cavalo. A morte do jovem carismático abalou profundamente a cidade e, sobretudo, o prefeito, que precisou se afastar da administração por seis meses para se recuperar do baque.

Anos depois, o destino voltaria a ser cruel com Michel, com a morte de sua filha, a ex-vereadora e deputada estadual Virgínia Hagge, e mãe do ex-prefeito Rodrigo Hagge.

Michel Hagge se tornou uma liderança incontestável até mesmo pelos seus adversários.  

Mesmo diante de tantas perdas, Michel se reergueu e consolidou-se como um líder político que mais vezes ocupou cargos eletivos na história de Itapetinga: vereador, três vezes deputado estadual e três vezes prefeito.

Legado

Mais que um político, Michel Hagge foi um construtor. Das estradas e escolas erguidas às praças e bairros pavimentados, dos programas sociais pioneiros ao fortalecimento da cidade, deixou marcas visíveis e invisíveis na vida de Itapetinga.

Sucessores dos Hagge no poder municipal de Itapetinga
Sucessores dos Hagge no poder municipal de Itapetinga. Rodrigo Hagge à direita e o atual prefeito Eduardo Hagge à esquerda da foto.
 

Aos 97 anos, partiu o homem que transformou a cidade e ergueu uma dinastia política. Sua trajetória mistura-se à própria história do município que, a partir dele, passou a acreditar na força da oposição e na alternância de poder.

Hoje, Itapetinga despede-se de seu maior líder político, enquanto sua história ecoa nas ruas, nas obras e no nome que continuará presente por gerações: Michel Hagge.