Presidente, que não foi à canonização de Irmã Dulce, é mestre em desperdiçar oportunidades
Ausência do presidente Bolsonaro demonstra o despreparo de um chefe de Estado que ignorou os católicos para agraciar sua recente retórica de Cristão evangélico. |
O presidente Jair Bolsonaro tem razão. O Estado é laico e ele não precisava mesmo ter ido a Roma para a cerimônia de santificação da irmã Dulce, a primeira brasileira a virar santa da Igreja Católica. Não importa se o Estado mandou o vice e três aviões da FAB repletos de autoridades, o presidente se deu o direito de não prestigiar a consagração. Não se pode criticá-lo por esta razão. A menos que se considere que há um mês ele foi ao maior templo da Igreja Universal, em São Paulo, ajoelhou-se aos pés do bispo Macedo para ser abençoado por um dos mais notórios charlatões do Brasil. E ainda rezou e chorou.
Presidente Jair Bolsonaro de joelhos diante Edir Macedo no Templo de Salomão |
Francamente, Bolsonaro é mestre em desperdiçar oportunidades. Pode não ser praticante, pode não ser fiel, pode ser apenas da boca para fora, mas o seu currículo informa que ele é católico romano. Mesmo tendo cara e jeito de evangélico, o que não é nenhum demérito, o pai de Flávio, Carlos e Eduardo é católico. Não se conseguiria reunir argumento melhor para participar da cerimônia no Vaticano. Seria um ganho enorme sob qualquer ângulo que se observe, até pelo respeito e pela circunspecção que o ato envolve.
Mas, não, Jair Bolsonaro preferiu ficar no Brasil, batendo boca com o major Olímpio e com o Luciano Bivar. Aliás, nem sei. Talvez até o major tenha ido na comitiva do Hamilton Mourão a Roma. O fato é que a maior autoridade brasileira deu uma banana ao Papa Francisco e a Santa Dulce dos Pobres. Para um governante que baseia todo o seu discurso em Deus e na família, sua ausência na festa desta manhã parece um descarrilamento de trem de alta velocidade.
Irmã Dulce é canonizada pelo Papa Francisco em cerimônia que reúne milhares no Vaticano |
Mas como tudo em Bolsonaro tem razões explícitas, fica fácil explicar sua desfeita. Da mesma forma que ele atacou Raoni pelo fato de o cacique ter se encontrado com o presidente da França, Emmanuel Macron, que o capitão julga ser seu desafeto, agora ele esnoba a santa porque o Papa resolveu fazer um sínodo sobre a Amazônia. Imagine, deve ter pensado Jair, não vou colocar azeitona na empada do Papa. Parece um raciocínio ridículo, não vou me ofender se você disser isso, mas será que ele está muito distante das cavernas vazias que ocupam a cabeça do presidente?
Enquanto isso , o ex-presidente Lula informa que vai se casar assim que sair da prisão. Foi o que ele disse a uma emissora de TV francesa. Alguma dúvida que no casamento haverá uma grande cerimônia religiosa? Nenhuma. Lula com certeza é mais cristão, mas no plano religioso é tão católico quanto Bolsonaro. FHC, que não pretende se casar outra vez, também é mais cristão que o presidente em exercício, embora seja ateu. Se fosse na sua gestão, ambos iriam a Roma para a santificação de uma cidadã do seu país. (Texto por Ascânio Seleme/jornalista e colunista O Globo)