Supremo Tribunal Federal começa a derrubar um símbolo do velho Brasil existente no Código Penal da década de 1940. Prisão em cela invisual para diplomados.
Para pessoas com nível superior antes da condenação cela individual e para pessoal sem conclusão escolar celas que mais parece um deposito de gente. |
Começou na sexta-feira (18) a queda de um símbolo do Brasil oitocentista que sobrevive na República do Século 21: a prisão especial para presos com curso superior.
A regalia da prisão em cela individual para pessoas com diploma universitário, antes da condenação, está em julgamento no Supremo Tribunal Federal. Dois juízes votaram pela inconstitucionalidade, faltam outros nove.
Prisão especial é resquício de um velho Brasil, onde núcleos de poder eram dominados por bacharéis, quase todos formados na Universidade de Coimbra, Portugal.
Fundamenta-se na distinção entre “pessoas de qualidade”, em função do grau de instrução, e a “ralé” nas palavras do jurista João Gabriel Lemos de Britto (1886-1963), defensor do privilégio e patrono do sistema penitenciário brasileiro.
Esse crédito à “superioridade espiritual”, na descrição de autores como Sérgio Buarque de Holanda, equiparou diploma universitário a título de nobreza, determinou a discriminação e na República, para efeito de aplicação da lei penal, segregou a elite das “classes servis”.
Acabou formalizada no Código Penal da década de 1940 e lá está há oitenta anos. É uma excrescência no regime democrático, mas só começou a ser questionada em 2015, quando o então procurador-geral da República Rodrigo Janot foi ao STF para derrubá-la.
A Operação Lava Jato completava o primeiro ano e, na época, o procurador-geral investigava 5 ex-presidentes da República e 93 parlamentares federais. Acusados de corrupção, lembrou Janot na ação que apresentou ao Supremo, eram virtuais beneficiários de privilégios legais. Exemplificou, com base na lei ainda em vigor: não podiam “misturar-se” com presos “comuns”, de nível inferior de instrução, nem mesmo para serem transportados às audiências nos tribunais.
O juiz-relator Alexandre de Moraes reconheceu o caráter discriminatório: “Fortalece desigualdades, especialmente em uma nação tão socialmente desigual como a nossa, em que apenas 11,30% da população geral possui ensino superior completo.”
“Ao permitir-se um tratamento especial por parte do Estado dispensado aos bacharéis presos cautelarmente”, acrescentou, “a legislação beneficia justamente aqueles que já são mais favorecidos socialmente, os quais já obtiveram um privilégio inequívoco de acesso a uma universidade”.
Em dezembro passado, segundo censo judiciário, 833.176 pessoas lotavam as prisões. Entre elas, apenas 5.135 declararam possuir curso superior. Representavam 0,61% da população carcerária.
A juíza Cármen Lúcia votou com o relator, para derrubar a regalia estabelecida no Código Penal. Sua posição estava definida desde os anos 90 em livro: “O direito fundamental à igualdade não deve significar apenas tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Também deve servir a erradicar desigualdades criadas pela própria sociedade e a estabelecer limites e condições em que desigualdades possam justificar tratamento desigual.”
O julgamento no Supremo estava previsto para terminar na próxima sexta-feira (25). No sábado (19), o juiz Dias Toffoli pediu mais tempo para analisar o processo. Se confirmada a tendência inicial, o Brasil poderá começar 2023 mais próximo da modernidade, embora o sistema prisional continue medieval.